quinta-feira, 5 de junho de 2014

Vitrola - Yui Asaka: três fases de uma carreira

Um episódio que ocorreu comigo em determinada fase de vida serve para ilustrar um pouco o motivo pelo qual eu releguei a fabulosa Yui Asaka_ cantora pela qual tenho paixão intensa_ à modesta segunda colocação entre as minhas favoritas no universo J-Pop. Eu tinha 20 anos e estava há poucos meses de me formar em piano clássico, após quase uma década de estudos e com um aprimoramento em curso. Preocupado com o que eu via no cenário musical ao meu redor, procurei minha professora mais confidente e perguntei: "Como poderei ser um professor de piano confiável se detesto Mozart e Beethoven?". Parecendo ter a resposta na ponta da língua, a professora nem hesitou para me responder: "Mozart a gente aprende a gostar de criança. Mas Beethoven, a gente precisa compreender além da música dele, e isso você só deverá conseguir quando tiver mais de 50 anos de idade". Hoje em dia continuo detestando Mozart, mas felizmente não precisei esperar tanto para compreender Beethoven além de sua música. Tanto que a quantidade de sonatas que já tenho dele (na maioria interpretadas pelo célebre pianista Artur Schnabel, entre 1932 e 1935) causa espanto até em minha mãe_ o que deve significar que eu gosto.



Como experiência musical é uma coisa só_ e sim, vale para o clássico e para o pop com a mesma proporção_, sempre me pareceu claro como a carreira da Yui se divide em três fases: a inicial, a de seu auge, e a mais artística, em que ela buscou exibir sua madurez através de experimentos diversos completamente atípicos para quem a havia acompanhado até então. E é uma pena que essa terceira fase eu ainda não consegui compreender. Tal como um "Beethoven nos meus 20 anos", o máximo que consigo definir dessa fase hoje é como uma fase de declínio, e o principal motivo da Yui figurar atrás da Yuka Onishi (essa sim, com uma carreira cheia de regularidade) entre minhas cantoras top.
A fase inicial da carreira da Yui Asaka foi marcada por sua postura de "Cute Girl". Em outras palavras, ela acertou desde o início. Querer se lançar como cantora pop feminina no cenário fonográfico japonês era algo complicadíssimo num ano como 1985. Afinal, o Oniyanko Club estava no topo da fama, recheado de garotas da mesma faixa etária da Yui (15/ 16 anos), com as mesmas aspirações que ela (incluindo o visual e o comportamento), e, não raro, debandando para tentar uma carreira solo. Sem falar que, na memória musical dos japoneses da época, ainda ecoava o som das Pink Ladies. Mas, apostando numa fofura que ela tinha de sobra_ e melhor, que era só dela_, Yui conquistou o Oriente, e é capaz de nos comover ainda hoje, sempre que vasculhamos seus primeiros vídeos e discos. Mesmo sabendo que hoje ela já é uma mulher (lindíssima, justiça seja feita) de 44 anos, ainda dá vontade de levar para casa aquela garota de olhos mágicos, baixinha que parece caber na palma da mão, e com bochechas enormes que dobram de tamanho a cada vez que ela sorri. Cantando frases como "Hey! Little boy, ai shite ru!", ela se projetou irresistível como poucas outras.
Para os céticos que poderiam achar que Yui era só aquilo, o lançamento de seu primeiro single "Natsu Shojo", de 1985, provou que sim, ela sabia lidar com música. Ainda no mesmo ano, "Futari no Moon River" era mais um exemplo de música de quem sabe o que faz, pois já mostrava os primeiros traços de uma composição mais elaborada. E no início de 1986, "Yappashi... H!" trouxe uma surpresa ainda maior, ao apostar com sucesso num hábito já ultrapassado da década anterior, reciclando-o e atualizando-o: o uso de vocais de apoio infantis. Ao mesmo tempo, o hit refletia um traço de personalidade que acompanharia a cantora em todo o restante dessa sua fase de início, que é o sonho de uma garota em se tornar logo mulher. "Yappashi... H!" é uma música cheia de doçura e sem qualquer apelativo. Mas, indiretamente, não deixa de ser um pouco safadinha, já que a letra "H" isolada tem para os japoneses uma conotação similar ao "X" para os americanos.



Esse começo promissor na carreira da Yui Asaka rendeu muitas outras músicas boas, distribuídas pelos álbuns "Crystal Eyes", "Star Lights" e "Rainbow". Mas na minha visão, foi o lançamento do single "Complex, Banzai!", de maio de 1986 (no vídeo acima), que melhor representou o ápice dessa fase "Cute Girl" da Yui. De tão notável, a faixa chegou a ganhar um remix para ser incluída no álbum "Star Lights" (1987). Ainda no final de 1986, Yui foi convidada a viver o papel principal na terceira temporada de Sukeban Deka_ série que alguns fãs de tokusatsu consideram como tal. E daí fica interessante notarmos como o amadurecimento de sua personagem no seriado se iguala ao seu amadurecimento artístico, que estava em andamento.
 Interpretando Yui Kazama, uma menina simples do interior que respondia a tudo e todos com um sorriso no rosto, ela logo passa a ser reconhecida mais por sua força e determinação. Sem medir esforços, não hesita em usar todas as suas habilidades ninja para combater a inimiga Sho, líder do temível Clã Kage. Luta acreditando em si e nas irmãs até o fim, superando as piores desconfianças que chegam a recair sobre ela em determinado momento da história. Nessa série, Yui atuou ao lado das também cantoras Yuka Onishi, Yuma Nakamura e Satomi Fukunaga_ esta, a mais bem-sucedida entre as ex-Oniyanko.
O convívio com essas artistas pode pode ter sido determinante para que Yui enxergasse um esgotamento em sua fase inicial e começasse a almejar coisas maiores. E as primeiras evidências disso surgiram antes da exibição do episódio final da trama. O lançamento do single "Niji no Dreamer" (1987) foi, na minha opinião, o ponto de partida para uma nova fase na carreira de Yui Asaka. Muitos fãs devem ter se admirado ao ouvir o refrão dessa música, onde a menina fofinha e ingênua de outrora soltava a voz como nunca antes, mostrando como podia libertar-se da timidez emocional sem medo de desafinar.
A partir daí, outros momentos de igual intensidade na música de Yui_ como o refrão de "True Love", a base rítmica de "Starship" ou o clímax de "Trial"_ soavam aos ouvidos dos fãs como se a cantora apelasse por algo do tipo "Eu quero liberdade!". O sentimento libertário é uma das mais marcantes da música pop dos anos 80, e podemos dizer que foi através dele que Yui começou a se entregar de corpo e alma àqueles conceitos.
Pouco tempo depois de "Niji no Dreamer", o grande sucesso que Yui obteve com o lançamento do single "C-Girl" confirmou que a cantora estava no caminho certo. Já com 18 para 19 anos, ela queria, de fato, se sentir mais mulher do que garota. Esbanjou sensualidade de corpo e de olhar no videoclipe de sua "Cry On", faixa integrante do mesmo álbum que abrigou a reedição do single (o "Candid Girl", de 1988). Do mesmo disco, presenteou os fãs com algumas pérolas que demonstravam como Yui já tinha habilidade na nova fase pela qual optara. A fantástica "Heartbreak Bay Blues", por exemplo, comprova isso. Tudo para que, no ano seguinte, ela chegasse ao que eu considero o auge, não só dessa fase como de toda a sua carreira, com o lançamento do álbum "Melody Fair".


Além de fabuloso e emocionante, foi um álbum que só surpreendeu, já que nenhum outro antes juntava singles de tamanha importância como "Cecile", "Melody" e "True Love". Além disso, essas e outras músicas do disco exibiam riqueza e complexidade de composição, tanto em forma e harmonia quanto em ritmo e melodia. Toda essa fase seria coroada por mais um papel de destaque na carreira da Yui atriz, que foi o da protagonista do filme "Yawara!", de 1989. A produção foi o live-action derivado do mangá e do anime sobre uma judoca que vai às olimpíadas de Barcelona à sombra do avô. Tal trabalho refletiu maravilhosamente na música da artista. Além do single "Neverland" (tema principal de Yawara), a ambientação espanhola da trama deu à "True Love" uma série de harmonizações no estilo da música flamenca.
Na passagem para 1990, Yui não teve como manter o mesmo fôlego. Mas a garra e a vontade com que ela cantava "Beat Up"_ uma das principais faixas de seu álbum daquele ano, o "Nude Songs"_ ainda mantinha acesa aquela chama poderosa do final dos anos 80. Àquela altura, mais importante do que a década já ser outra era a fase em que a música da Yui estava, e essa continuidade, ainda que menor, foi o último passo antes do que viria a ser a terceira etapa real de sua carreira_ para mim, a menos interessante. Álbuns ainda envolventes como "Miyako no Garasu", de 1991, já davam certeza de uma nova virada no estilo de Yui. Parecia difícil acreditar que músicas como "Koi no Upsade Town" e "Realism" eram de fato dela. Por mais que os vocais de apoio nessa segunda cantassem "I wanna get freedom", aquilo não tinha nada a ver com a menina-mulher libertária do "Melody Fair", pois já era pura música dos anos 90.
Esse disco foi seguido pelo decepcionante "Stay" (1992), onde Yui ousou com experimentos bastante radicais, como o uso de elementos da música country e litúrgica. Por "azar", foi desse disco que se projetou o single que mais marcou a fase madura da Yui: uma versão em japonês para a chatíssima "Luka", um hit trash que ainda ecoa pelas rádios do mundo todo na voz da intérprete original_ a cantora Suzanne Vega. De qualquer forma, é um duelo de 2X1_ até porque o mesmo mal acometeu outras cantoras da geração de Yui que, como ela, foram longe com suas carreiras. Mas, naquela altura, nada seria capaz de rebaixar, no presente ou no futuro, os louros colhidos por uma star como Yui-chan, a princesa fofinha de olhos mágicos que não teve receio de pedir por liberdade até virar mulher.

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